Até onde vai o dever de diligência de um administrador? Como saber se um administrador está sendo responsável e prudente o suficiente no desempenho de suas funções?
Recentemente, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concluiu o julgamento do Processo Administrativo Sancionador (PAS) nº 19957.007916/2019-38, no qual foram analisadas as condutas do diretor presidente e do diretor de ferrosos e carvão da Vale, no âmbito do ocorrido no município de Brumadinho, no estado de Minas Gerais, no dia 25 de janeiro de 2019, diante do rompimento da “Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão”, ocasionando em uma das maiores tragédias ambientais e humanitárias do Brasil.
No julgamento do PAS, não foi identificada violação ao dever de diligência por parte do diretor presidente, que agiu em conformidade com a legislação e o Estatuto Social da Vale, de modo a absolvê-lo das acusações a ele imputadas. No entanto, condenaram, por maioria, o diretor de ferrosos e carvão ao pagamento da multa pecuniária no valor de R$ 27 milhões, diante da inobservância do dever de diligência. A diferença de tratamento se deu na análise do que era esperado de cada um em suas atribuições e a correlação com o incidente. Enquanto as atribuições do diretor presidente estavam mais ligadas a gestão geral e menos a questões técnicas, do diretor de ferrosos e Carvão era esperado o seu envolvimento direto em questões técnicas, inclusive em atribuições diretamente relacionadas ao incidente dada a natureza de seu cargo.
Embora o voto do relator Daniel Maeda não tenha tratado expressamente do dever de diligência como uma obrigação de resultado, foi possível identificar uma certa aproximação ao resultado e ampliação na interpretação do dever de diligência pela CVM, além dos padrões de conduta a serem adotados pelos administradores no âmbito de suas funções.
É importante esclarecer que o administrador deve ser qualificado para o exercício de suas funções, não sendo necessário que seja altamente especializado em todas as matérias que possam ser submetidas à sua apreciação, mas é esperado que possua conhecimentos gerais sobre as atividades desenvolvidas pela sua área, buscando manter-se informado sobre os assuntos, bem como questionar e investigar temas de maior relevância que possam apresentar potenciais riscos para a companhia.
Os administradores têm o direito de confiar nas informações fornecidas por seus subordinados e outros profissionais especializados. Porém, isso não o isenta da obrigação de analisar criticamente as informações recebidas e, eventualmente, questionar e avaliar a necessidade de complementação. Portanto, a falta de competência técnica e/ou inexperiência profissional não pode ser usada como argumento para afastar as responsabilidades e deveres dos administradores, do contrário, o administrador se tornaria, em última instância, um mero chancelador de análises realizadas ou decisões tomadas por terceiros, o que contraria a própria essência do cargo.
Além da relativização do dever de diligência, que gera preocupações quanto à previsibilidade da responsabilização de administradores, podendo surgir reflexos negativos em razão da insegurança jurídica, é importante mencionar os potenciais impactos decorrentes dessa nova interpretação: (i) encarecimento das apólices de D&O (“Directors and Officers Liability Insurance”), de modo a impactar os custos operacionais das companhias; (ii) aumento da necessidade de um planejamento patrimonial adequado para se assumir cargos de gestão; (iii) formalização de atos societários com deliberações pelos administradores de forma mais detalhadas, para o registro e mapeamento de todas as decisões estratégicas com o máximo de informações possíveis; e (iv) desestímulo de profissionais qualificados a assumirem cargos de administração.
Se essa nova interpretação for confirmada, diante do julgamento do PAS, as companhias enfrentarão mudanças significativas nos padrões de governança corporativa, exigindo processos decisórios estruturados e uma avaliação cuidadosa das responsabilidades dos administradores, especialmente daqueles que assumem cargos em setores de alto impacto ambiental e regulatório, buscando maior segurança jurídica no ambiente corporativo.
Se você, como administrador, ainda tem dúvidas sobre o dever de diligência, é importante verificar se os pontos destacados acima estão sendo cumpridos de forma rotineira, de modo a mitigar os riscos expostos, e se o seu planejamento patrimonial está adequado ao risco que você irá assumir. Garantir a conformidade não só traz mais segurança e confiança para os negócios desenvolvidos, mas também fortalece a reputação da companhia no mercado.
Por Bruna de Almeida Lins, associada do Candido Martins Cukier Advogados.