Em um movimento aguardado com grande expectativa e carregado de potencial disruptivo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou, no fim de dezembro, uma consulta pública destinada a revisar algumas das regras aplicáveis aos Fundos de Investimento em Participações (FIPs). A Consulta Pública SDM nº 03/24 propõe uma verdadeira modernização do Anexo IV da Resolução CVM nº 175, potencialmente redefinindo as dinâmicas do mercado de FIPs e ampliando de forma significativa a sua acessibilidade e flexibilidade.
Um dos principais pontos da proposta da CVM está na ampliação do público-alvo dos FIPs, permitindo que investidores de varejo finalmente tenham acesso a esses produtos, até então reservados a investidores qualificados e profissionais. Se essa mudança for adiante, um novo leque de oportunidades (e riscos) se abrirá, exigindo maior discernimento e sofisticação por parte dos investidores comuns. Para mitigar as complexidades envolvidas, a minuta proposta na Consulta Pública impõe algumas condições e salvaguardas rigorosas aplicáveis às classes destinadas aos investidores de varejo, como a proibição de chamadas de capital e a necessidade de negociação das cotas destinadas ao varejo em mercados organizados com formadores de mercado.
Outro ponto polêmico da proposta é a eliminação das atuais classificações dos FIPs, substituindo-as por um sistema de sufixos para identificação de FIPs voltados à inovação, infraestrutura e pesquisa. Isso representa uma mudança relevante na forma como os esses fundos são compreendidos, podendo tanto simplificar a comunicação com o mercado, quanto gerar incertezas em relação às políticas específicas de investimento de cada FIP.
A CVM também propõe conceder maior liberdade aos gestores de FIPs, eliminando barreiras regulatórias e flexibilizando a exigência de “efetiva influência” nos processos decisórios das sociedades investidas. Isso levanta um questionamento fundamental: essa liberdade abrirá espaço para uma gestão mais dinâmica e rentável ou pode resultar em menos proteção aos investidores e maior vulnerabilidade a riscos excessivos?
Talvez o ponto mais audacioso da minuta seja a permissão para que os FIPs assumam risco de capital, algo até então vedado. Essa medida pode aproximar os FIPs dos fundos de Private Equity internacionais, permitindo alavancagem financeira e estratégias mais agressivas. Contudo, também aumenta exponencialmente a exposição ao risco, tornando imprescindível uma gestão altamente qualificada para evitar perdas catastróficas.
Outro aspecto crítico é a proposta de permitir que o próprio gestor calcule o valor justo dos ativos utilizados para integralização das cotas, eliminando a exigência de um laudo independente. Se, por um lado, isso acelera o processo e reduz custos, por outro, pode abrir brechas para subjetividade e conflitos de interesse na precificação dos ativos.
Por fim, a CVM pretende aprimorar a transparência no setor ao introduzir atualizações periódicas obrigatórias sobre o desempenho dos FIPs e criar novos formulários padronizados para reportes informacionais. Nesse sentido, a CVM propôs que os gestores passem a fornecer aos cotistas dos FIPs, na forma a ser prevista no respectivo regulamento, atualizações periódicas de estudos e análises que permitam o acompanhamento dos investimentos realizados, objetivos alcançados e perspectivas de rentabilidade. Essa é uma medida essencial para equilibrar o aumento da flexibilidade com a necessidade de monitoramento mais rigoroso.
Não obstante o exposto acima, é importante salientar que a Consulta Pública não visa esgotar e atualizar todos os possíveis temas referentes à regulamentação dos FIPs previstos no Anexo IV da RCVM 175, mas tão somente expor determinados temas que, na visão da CVM, são os principais pontos a serem considerados pelos participantes do mercado que desejarem apresentar suas contribuições.
A consulta pública está aberta até o próximo dia 28 de março, permitindo que o mercado se manifeste sobre essas mudanças revolucionárias. Resta saber se essa reforma será o impulso que faltava para dinamizar os FIPs ou se trará desafios imprevistos para investidores e gestores.
Por Ricardo Pisani Filho, associado do Candido Martins Advogados.